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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Paulistanos fazem adaptações para se acostumar à vida em microapartamentos

Você abre o olho de manhã e está tudo ali. Numa imagem, cabe uma casa inteira. Ainda no travesseiro, avista-se a pia com a louça do dia anterior, a TV na sala e os farelos na mesa. Começa mais um dia na vida de um morador de um apartamento studio.

Por sete dias, a sãopaulo morou em um imóvel desse tipo, de 25 metros quadrados, na Vila Olímpia, zona oeste paulistana.

O studio é um novo nome para uma velha ideia: pequenos apartamentos de um cômodo, em bairros com bom transporte público, cercados por escritórios e opções de lazer, como cinemas e restaurantes.

Antes mais conhecidos como quitinetes, esses espaços são vendidos em São Paulo desde os anos 1940, quando a cidade ganhou as suas primeiras unidades, como as do edifício Atlanta, na República, região central. Perto dali, no Copan, na década de 1960, apartamentos grandes foram repartidos em unidades menores para facilitar a venda.

As novidades dos studios de agora em relação às quitinetes do século passado são a aparência moderna e a maior oferta de serviços nos prédios, como lavanderia, academia, lounge para receber visitas e trabalhar e itens compartilhados, como bicicletas.

E eles se tornaram uma tendência na cidade. No ano passado, 26,6% de todas as unidades em prédios lançadas na cidade contavam com até um dormitório. Cinco anos antes, o número era a metade, 13%. 

No início dos anos 2000, a média era mais baixa ainda, de 4%. Os dados são do Secovi, sindicato do setor imobiliário.

Os paulistanos estão recorrendo a esses imóveis e, aos poucos, se adaptando a eles. Pois, sim, viver num espaço sem divisões pode trazer novidades -sobretudo para quem já viveu em casas.

Na experiência da reportagem, por exemplo, a falta de separação entre os cômodos gerou confusão. Afinal, ao levantar da cadeira da sala de estar, é preciso desviar do criado-mudo. E a cama está sempre visível.

Por outro lado, um espaço pequeno é mais fácil de limpar e de manter em ordem. E, para quem usa o tempo em casa para assistir TV, ler e mexer no celular, o studio atende bem às necessidades.

A coisa complica quando surgem outras situações, como receber visitas e cozinhar. Há pouco espaço entre o fogão "cooktop" e a pia. Com isso, uma tampa de panela pode parar, sem querer, na cama. Se algo queimar, o cheiro fica impregnado nas fronhas. E receber visitas em casa com uma enorme cama à vista dá a sensação de estar levando os visitantes ao seu quarto.

O publicitário Bruno Brandão, 31, mora em um studio no centro que ganhou uma parede para separar o ambiente em dois. "Sem paredes, fica um ambiente mais 'cool'. Mas com elas tenho privacidade. Se tem visita na sala, posso ir descansar no quarto", afirma ele.

"Geralmente vou às 8h para o trabalho e chego em casa umas 22h30. E saio aos fins de semana. O apartamento acaba sendo mais um dormitório", acrescenta Brandão.

Os móveis também se adaptam aos novos tempos. "Reduzimos a profundidade do guarda-roupa para 40 cm, sem perder a funcionalidade", afirma Edson Coutinho, gerente de design e tendências da loja Tok&Stok, que criou produtos para atender aos moradores de casas com pequenas dimensões.

SERVIÇOS
Se o espaço dentro dos apartamentos é acanhado, há áreas e serviços coletivos para compensar. 

"Transferimos as coisas de uso menos intenso, como a máquina de lavar, para serem compartilhadas e, assim, liberamos espaço ", diz Antonio Setin, dono da construtora que leva seu sobrenome -a empresa já ergueu pelo menos sete edifícios com unidades "supercompactas".

É comum os prédios com studios reservarem um andar para uso comum, com sofás, mesas e cadeiras de uso geral. No Setin Brigadeiro, na região central, as máquinas de lavar ficam ao lado de enormes sofás, onde há internet wi-fi, numa tentativa de criar um ambiente de socialização. Mas a demanda pelas máquinas é alta. Para pegar menos fila, há quem espere para bater a roupa durante a madrugada.

As piscinas também são requisitadas. "Tem dia que a galera fica lá até ser expulsa. Pelas regras, só dá pra usar até as 22h", conta João Pires, 32, publicitário e baterista que se mudou para o Setin Brigadeiro há um ano.

Nesse prédio, a socialização entre os moradores, em sua maioria jovens e solteiros, se deu mais pelo WhatsApp do que pela interação nas áreas comuns. "Depois que entrei no grupo, vi que a galera combina festinhas nos apartamentos", diz Pires.

O publicitário alugou o espaço já com móveis e incluiu outros, como caixotes transformados em estantes. A varanda (sim, há unidades com varanda) virou espaço gourmet: ele colocou ali uma churrasqueira elétrica. "Fecho o vidro e o cheiro fica pra fora."

Para Camila Silveira, 27, consultora de imagem, o desafio foi guardar sapatos e bolsas. A saída foi transformar parte do banheiro em closet. "Pra homem é mais fácil. Mulher tem mais coisas para guardar", diz ela.

Silveira mora em um studio de pé-direito duplo na Vila Olímpia, que ganhou um quarto e uma escada -a altura extra é uma situação encontrada nesse modelo de imóveis, assim cabe aos moradores fazer ou não a ampliação do espaço.

Os apartamentos do tipo também apostam em serviços compartilhados, como empréstimo de bicicletas, limpeza e arrumação contratados na recepção.

"Estamos testando um aplicativo para que vizinhos emprestem carros entre si", conta Alexandre Frankel, CEO da Vitacon, que já construiu 5.500 apartamentos studio na capital e tem outros 150 em obras.

"Começamos com 43 metros quadrados e fomos baixando. Buscamos soluções para cada fase da vida, o que transcende a questão do tamanho", continua Frankel. "O studio é pensado para uma pessoa, ou para dois que se amem muito", brinca.

Luciano Margotto, professor de arquitetura do Mackenzie, acredita que os apartamentos pequenos deverão ser mais uma opção no mercado, mas não a regra. "As pessoas [que compram studios] saberiam morar em apartamentos maiores se eles fossem mais acessíveis, assim como sabemos comer bem quando temos condição", compara.

A diminuição das residências tem como principal razão o preço. Casas menores atraem mais compradores por custarem menos.

"Nos últimos anos, tivemos aumento da classe média, financiamento acessível e muita gente chegando ao mercado de trabalho. Isso levou o setor a dar mais atenção aos apartamentos na faixa de R$ 200 mil", analisa Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi.

Outra razão é o aumento do número de pessoas que vivem sozinhas. Dados do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que entre 2005 e 2015 subiu de 9,8% para 14,9% o número de casas com um morador na Grande São Paulo.

A longo prazo, o fato de mais pessoas morarem perto do trabalho pode ajudar a reduzir o trânsito, pois haveria menos deslocamentos a serem feitos. "Fizemos uma pesquisa que mostrou que 70% das pessoas que moram nos studios não pensam em ter carro", diz Antonio Setin.

Para as construtoras, há espaço para projetos ainda menores. O menor lançamento da Vitacon, no Bom Retiro, no centro, feito em 2015, tem 14 metros quadrados de área, quase o tamanho de duas Kombis, -e custava R$ 89 mil na planta.


Os moradores entrevistados pela sãopaulo, por sua vez, encaram os studios como uma fase: viverão ali enquanto estiverem sozinhos. No futuro, ao namorarem ou casarem, precisarão de mais do que um minilar.

Fonte: Folha de São Paulo

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