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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Direito Real de Laje: Modificações no Código Civil Pela MP 759 de 2016

Na última década, verifica-se uma preocupação em torno de políticas fundiárias para a população que se encontra em situação irregular em relação aos bens imóveis que estão ocupando. O Brasil é um país com extensões de terras enormes, mas que em contrapartida possui um sistema jurídico enfatizado no registro de propriedade, o que se torna pouco condizente com a realidade de alguns centros urbanos.

Muitos imóveis são construídos em propriedades do governo ou são subdividos dentro de uma mesma área comum. Nestes casos, utilizar-se de um título de domínio, nos moldes ortodoxos do Direito das Coisas, acarretaria na retirada destas pessoas destes imóveis ou na possível dissolução de condomínio. Isso de fato não resolveria o problema destas famílias, mas proporcionaria uma situação mais crítica e desumana.

Sabe-se que uma considerável parcela da população vive em áreas que o sistema mobiliário rígido jamais permitiria garantir-lhes algum direito, pois vivem em áreas públicas ou que o imóvel de uma família é repartido em diversos outros menores para abrigar os descendentes.

O Poder Público sensível a estas questões, em 2007, promoveu o direito real de uso para fins de moradia previsto no artigo 1225, inciso XI, garantindo a posse para aquelas pessoas que por mais de 5 anos ocupavam propriedades públicas para fins de moradia. Acrescentou também o inciso XII que concedia o direito real de uso. Vale dizer que este dispositivo era uma concessão da União, Estados ou Municípios em prol de pessoas jurídicas ou entidades sem fins lucrativos, desde que realizassem atividades de interesse público ou social com aproveitamento econômico. Foi revogada em 2015 e agora retorna novamente como Direito Real pela Medida Provisória 759 de 22 de dezembro de 2016.

A grande novidade desta Media Provisória foi a introdução do Inciso XIII no artigo 1225 e a criação do artigo 1510-A que garantem o Direito de Lage. Este seria a proteção a unidades autônomas que estão dentro de uma mesma área. Pode ocorrer por sobreposição de um imóvel sobre o outro ou de forma que não se possa individualizar o bem construído dentro de um mesmo lote. O importante é que devem ser autônomas uma das outras. Desta forma, garante proteção àqueles que construíram verticalmente ou horizontalmente na mesma propriedade. Este tipo de construção é vulgarmente conhecido como “puxadinho”.

Há uma realidade enorme de construções que são realizadas desta forma no país. É comum em um lote existir mais de uma residência ou divisão de uma parte comercial e outra residencial. Com o decorrer do tempo, após o terceiro edificar no terreno, só lhe competia o direito de receber pelas benfeitorias realizadas quando o imóvel fosse de fato vendido ou este resolvesse sair do bem. O caso era solucionado apenas no âmbito do direito obrigacional, ou seja, restava-lhe apenas uma indenização.

O Direito de laje permite a individualização da matrícula referente apenas a esta construção. Não contempla o solo ou demais construções que podem estar no mesmo terreno. Desta forma, não terá direito à fração ideal do terreno como sucede nos condomínios edilícios. Tudo ficará restrito à respectiva edificação realizada.

Poderá o titular do direito de laje transferi-lo a terceiro, dar como garantia, permutá-lo, etc. É vedado apenas sobrelevações nesta construção pelo beneficiário, o que se mostra sensata a legislação. Este tipo de situação ocorre de forma inicialmente consensual do titular do imóvel que permite esta edificação por parte do não proprietário. Logo, ao adquirir o respectivo direito não pode este ser um multiplicador de construções o que impactaria demasiadamente o titular do terreno no seu direito de disposição da coisa.

A origem do direito de laje seria um dos atributos da propriedade que são: usar, gozar, dispor e reaver. No caso, é o poder de disposição. Sabe-se o titular abre mão de parte de sua propriedade para que outro construa. O que, até então, seria um ato revogável, podendo o titular reaver a coisa, obviamente, sendo indenizado pela construção realizada. Ocorre que pela Medida Provisória 759 tal atribuição torna-se um direito real com viabilidade de registro imobiliário, tendo o adquirente os atributos similares ao da propriedade, portanto, poderá alugar o bem, vendê-lo, etc.

Importante frisar que o beneficiário terá obrigações decorrentes deste direito como os encargos e tributos de sua construção. Tal previsão legal é pertinente, visto que a abertura de uma matrícula torna o bem distinto do outro, logo também deverá possuir um índice cadastral na respectiva prefeitura onde se localiza o imóvel e sujeitar-se aos impostos decorrentes da ocupação residencial ou comercial.

Há certas dúvidas sobre quem pode requerer o direito de laje: se compete à abertura do pelo titular do terreno ou pelo ocupante da respectiva construção. No caso, como o procedimento de abertura de matrícula é um ato voluntário e não litigioso, compreende-se que só poderá ser realizado pelo titular do imóvel, podendo registrá-lo em nome próprio ou por escritura de doação transferi-lo ao terceiro beneficiário. O ocupante da construção só poderá realizar o registro por iniciativa própria se requer o direito por via judicial e obter uma sentença favorável.

No caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento do titular do direito de laje haverá as repercussões jurídicas decorrentes. Dependendo do regime de casamento, se for o de comunhão parcial dos bens e o direito de laje foi adquirido durante a constância do matrimônio, este será repartido entre os cônjuges. O mesmo sucede no caso de união estável se não for pactuado outro tipo de regime de bens. No caso de falecimento também se observará sua transmissão aos herdeiros necessários e sofre os mesmos efeitos do direito real de habitação do cônjuge sobrevivente.

Outra forma que se pode adquirir o direito de laje é por meio da usucapião. É possível usucapir o direito existente como sucede no caso de propriedade, usufruto, servidão, etc. O beneficiário do direito de laje poderá abandonar a coisa e um terceiro de forma mansa, pacífica e ininterrupta observando o prazo que a lei determinar preencher os requisitos para a usucapião.

Ao que parece a Medida Provisória visa a tentar solucionar os problemas imobiliários desta natureza existentes no país, mas se esbarra em uma questão importantíssima que é o princípio da temporalidade. Não se pode aplicar uma lei para questões pretéritas. O Direito criado só alcançará situações fáticas ocorridas após a publicação da Medida Provisória. Desta forma, as construções realizadas desta forma anteriores à entrada em vigor não terão em tese este benefício. Por outro aspecto, é salutar porque o titular do imóvel ao ceder para construir em seu terreno não poderia ser surpreendido por uma legislação à época inexistente que implicou em restrições no seu imóvel sem que concordasse com isso. Desta forma, apenas as construções realizadas a partir do dia 23 de dezembro de 2016 sofreram estes efeitos.

A única forma de regularização de construções anteriores a Medida Provisória seria pelo ato voluntário do titular da coisa de resolver fazê-lo junto ao cartório de registro de imóvel para ceder o direito ao beneficiário. Em relação àquele que construiu e necessita de requerer via judicial, deverá observar se a construção ocorreu posterior à vigência da norma para ter o respectivo direito.

Alguns doutrinadores firmam o entendimento que o direito de laje previsto no inciso XIII do artigo 1225 seria uma espécie de direito de superfície. Discorda-se porque deste entendimento, visto que há certas peculiaridades nos dois institutos. O Direito de superfície tanto o previsto no próprio código civil no artigo 1225, II quanto o existente no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) no artigo 21 que diz: “O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis” tem na sua essência o ato de revogabilidade. Ainda que haja o ato de ceder ao outro do direito de uso do terreno para construir este poderá ser interrompido e o bem retorna ao titular do terreno. O direito de laje não possui esta característica, inclusive o beneficiário deste direito torna-se o seu autêntico titular, sem possibilidade do ato ser revogado e o bem ficar em favor do proprietário do terreno.

O novo direito real acrescido no artigo 1225, XIII reforça a percepção de regularizar a posse de situações fáticas que não eram abrangidas pelo Direito. O reconhecimento do direito de laje pelo ordenamento jurídico é de suma importância porque protege a posse daquele que construiu em terreno de terceiro, garantindo-lhe proteção jurídica de maior alcance, saindo do aspecto meramente obrigacional. Por outro lado, é uma realidade nacional construções feitas desta forma, o que acarretou em vários imóveis com registros irregulares que poderão ser regularizados.

Autor: Cássio Brant, Doutor e mestre em direito privado pela PUC-MG. Professor universitário e advogado

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